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[O Essencial - Conto 2] Ruan

13 de fev. de 2015


Nós sempre iremos nos arrepender de algo na vida, bem, de muita coisa na verdade, mas terá uma que você simplesmente não vai suportar que tenha acontecido.

Eu e Carlos crescemos juntos, tipo melhores amigos. Nossa favela, que hoje já se tornou um bairro da hora de viver sempre foi envolto no crime. Infelizmente nós dois acabamos indo por esse lado, não tínhamos lá muitas opções.

Eu larguei a escola na sétima série, Carlos decidiu continuar até a oitava, dois moleques querendo ser adultos, pensando que tudo girava ao nosso redor.  Eu era órfão, a mãe dele prometeu para a mulher que me pariu que tomaria conta de mim, Tia Dulce, como eu a chamava, nunca escondeu nada, e eu nunca quis saber de nada. Ela já se foi. Assim como minha amizade com Carlos. Assim como a oportunidade de melhorar de vida.

Quando tínhamos quatorze, um traficante de merda, que pensávamos ser nosso amigo, nos apresentou as drogas que ele vendia, pouco depois além de consumir, nós também vendíamos. Passamos três anos vendendo, pegávamos o produto com ele, vendíamos e dividíamos o lucro. Até a mãe do Carlos, a Tia Dulce, falecer. Todos ficaram imensamente tristes, Carlos começou a não sair mais de casa, e dar pouca atenção pra gente, quando eu perguntava se ele queria fazer algo ele negava, talvez isso o tenha salvado de tudo. 

   Um dia ele apareceu com uma história de trabalhar “de verdade”, na época esnobei ele, disse que se ele quisesse podia até trabalhar para o papa, fiquei bravo por ele abandonar os “amigos”. Se eu tivesse ido com ele, provavelmente não estaria aqui agora.

Ele trabalhava sério, em bicos de Buffet, bares e restaurantes, até ficou em uma firma por um tempo, eu tinha me tornado um dos “chefes de boca”, repassava o que me passavam por tudo o bairro, tentava não deixar crianças em contato com as drogas, mas nem todos pensavam assim, preferiam “cultivar o trabalho de amanhã”, como me disseram uma vez.

Certo dia, depois que defendi um colega de “trabalho” numa briga, nessas festas em que ninguém realmente se conhece, fui convidado a trabalhar para um dos chefes do tráfico na cidade. O que era ruim ficou pior, na época, fiquei aliviado, honrado até. Pffs, como eu disse, nos arrependemos de muitas coisas.

Larguei tudo no meu bairro depois de uma briga com o Carlos, eu estava drogado e quase não me lembro daquela noite, somente que no dia seguinte eu estava indo para o outro lado da cidade atrás do tal chefe. Ele me aceitou de “bom grado”, afinal seria mais um aliado na intensa luta contra a polícia. E foi em uma dessas intensas lutas que acabei preso, por porte ilegal de armas e drogas. O Chefe, como gostava de ser chamado, me tirou dela em três meses, já devia para ele, agora devia muito mais. Na cadeia não sofri muito, por haver pessoas dele lá dentro, mas vi coisas que preferiria não ter visto.

Depois que sai, entrei em uma espécie de depressão, eu pensava que isso era uma desculpa de idiotas para desistir da vida, até acontecer comigo, não foi fácil, meu alimento eram as drogas, estava sempre louco. Um dia, nesses que eu nem via o tempo passar e só tentava dar um jeito de vender minha parte da droga(que era dividida em partes iguais para toda a cidade), um espertinho tentou me roubar, eu estava passando um saquinho para um cliente quando ele chegou por trás e colocou a arma na minha nuca: “Passa tudo isso ai, ou sua vida acaba aqui mesmo!”. Não era um bom dia para tentar me roubar, eu estava tão alto que nem liguei, me virei devagar, enquanto o cliente deixava o dinheiro cair e saia correndo, ele estava de olhos arregalado e eu estava entorpecido pelas drogas consumidas(parte das minhas dividas).

   -Como é que é? Seu...
- Passa logo ou estouro sua cabeça! Vai pô! – Ele grita me interrompendo, está obviamente alterado, não “calmo” como eu.

Ele não sabia que eu também estava armado, puxei a arma rápido o suficiente para conseguir acertar ele bem no peito, o idiota estava tão cheio de adrenalina que não conseguiu atirar quando me viu puxando a arma. Ele morreu ali mesmo, a rua estava fazia, mas câmeras dos prédios ao lado me flagraram. Duas semanas depois quando fui ao mesmo ponto para vender (afinal, não achamos bons pontos facilmente) a polícia chegou logo em seguida, algum morador que “faz o bem” deve ter me visto e denunciado. Preso, dessa vez não por apenas três meses, mas por cinco anos. Além de não ter muitos “amigos” lá dentro, tive que me desintoxicar, algo que jurei nunca passar novamente. 

Nesses cinco anos o Chefe tentava me tirar de lá, até que ele conseguiu subornar um policial afundado em dívidas e saí por “bom comportamento”. Mas não fiquei nessa de bom comportamento por muito tempo, uma semana depois, fui a uma festa, e bebida vai bebida vem, acabei cheirando um pó. O vício tinha voltado, e mais forte dessa vez. Não consegui quitar os dividendos com o Chefe, sua paciência havia se esgotado. E chegamos ao presente, dez anos depois, que pareceram apenas 5 para mim. Ele me deu uma chance de quitar tudo, roubando um banco, tipo aqueles assaltos que vemos em filmes, mas não gastaria mais um centavo com isso, a única ajuda que me daria seriam os melhores horários para se roubar. Bastava eu entrar, render os guardas, ameaçar os caixas, pegar o dinheiro e fugir. Claro que o imbecil aqui não faria isso nem por todo o dinheiro do mundo, afinal as chances disso funcionar eram 00000,1%, mas não havia outra opção, era tentar ou morrer. De um jeito ou de outro.
Não havia um dia em que eu não pensasse em Tia Dulce ou em Carlos, da minha infância divertida e alegre, apesar de pobre. E foi pensando nisso que decidi procurar Carlos, talvez ele tenha ficado bem de vida, sei lá. Quando voltei ao bairro, não me senti bem, me senti pior, achei que me lembraria dos bons tempos, mas me lembrou do que perdi, do que ficou para trás, vi Carlos com seu filho, e sua mulher, e mesmo naquela casa caindo aos pedaços, eles pareciam bem, felizes até, fiquei com inveja, eu também queria uma casa velha, uma mulher encrenqueira e um filho, talvez não um filho, mas me senti pior e não queria entrar na vida deles de novo, mas fiz isso. Esperei Carlos pegar seu ônibus casual, e depois de conversarmos, dei meu numero para ele. Na manhã seguinte ele me ligou.


Tudo foi rápido de mais, naquela noite, assaltamos o banco, na fuga despistamos a polícia, mas uma coisa, não sei direito o que era, veio em nossa direção, quando vimos, uma luz branca forte nos cegou, pensei que havia morrido, mas não foi o que houve.


Até a próxima semana!
Texto por Rafael
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